.E.OMAR
DONATO BASSANI
PROF.ª
ANA MARIA
LÍNGUA PORTUGUESA ENSINO MÉDIO
ATIVIDADE
COMPLEMENTAR PARA O 2ºANO B
HABILIDADE;Identificar.relacionar,diferenciar
características de textos em diferentes contextos sociais do século XlX (Conto)
-Reconhecer,estabelecer
relação entre argumentar e polemizar questões internas e externas.
A
CARTEIRA
MACHADO DE ASSIS
...De
repente, Honório olhou para o chão e viu uma carteira. Abaixar-se, apanhá-la e
guardá-la foi obra de alguns instantes. Ninguém o viu, salvo um homem que
estava à porta de uma loja, e que, sem o conhecer, lhe disse rindo:
-
Olhe, se não dá por ela; perdia-a de uma vez.
-
É verdade, concordou Honório envergonhado.
Para
avaliar a oportunidade desta carteira, é preciso saber que Honório tem de pagar
amanhã uma dívida, quatrocentos e tantos mil-réis, e a carteira trazia o bojo
recheado. A dívida não parece grande para um homem da posição de Honório, que
advoga; mas todas as quantias são grandes ou pequenas, segundo as
circunstâncias, e as dele não podiam ser piores. Gastos de família excessivos,
a princípio por servir a parentes, e depois por agradar à mulher, que vivia
aborrecida da solidão; baile daqui, jantar dali, chapéus, leques, tanta cousa
mais, que não havia remédio senão ir descontando o futuro. Endividou-se.
Começou pelas contas de lojas e armazéns; passou aos empréstimos, duzentos a
um, trezentos a outro, quinhentos a outro, e tudo a crescer, e os bailes a
darem-se, e os jantares a comerem-se, um turbilhão perpétuo, uma voragem.
-
Tu agora vais bem, não? dizia-lhe ultimamente o Gustavo C. advogado e familiar
da casa.
-
Agora vou, mentiu o Honório.
A
verdade é que ia mal. Poucas causas, de pequena monta, e constituintes
remissos; por desgraça perdera ultimamente um processo, em que fundara grandes
esperanças. Não só recebeu pouco, mas até parece que ele lhe tirou alguma cousa
à reputação jurídica; em todo caso, andavam mofinas nos jornais.
D.
Amélia não sabia nada; ele não contava nada à mulher, bons ou maus negócios.
Não contava nada a ninguém. Fingia-se tão alegre como se nadasse em um mar de
prosperidades. Quando o Gustavo, que ia todas as noites à casa dele, dizia uma
ou duas pilhérias, ele respondia com três e quatro; e depois ia ouvir os
trechos de música alemã, que D. Amélia tocava muito bem ao piano, e que o
Gustavo escutava com indizível prazer, ou jogavam cartas, ou simplesmente
falavam de política.
Um
dia, a mulher foi achá-lo dando muitos beijos à filha, criança de quatro anos,
e viu-lhe os olhos molhados; ficou espantada, e perguntou-lhe o que era.
-
Nada, nada.
Compreende-se
que era o medo do futuro e o horror da miséria. Mas as esperanças voltavam com
facilidade. A ideia de que os dias melhores tinham de vir dava-lhe conforto
para a luta. Estava com, trinta e quatro anos; era o princípio da carreira:
todos os princípios são difíceis. E toca a trabalhar, a esperar, a gastar,
pedir fiado ou: emprestado, para pagar mal, e a más horas.
A
dívida urgente de hoje são uns malditos quatrocentos e tantos mil-réis de
carros. Nunca demorou tanto a conta, nem ela cresceu tanto, como agora; e, a
rigor, o credor não lhe punha a faca aos peitos; mas disse-lhe hoje uma palavra
azeda, com um gesto mau, e Honório quer pagar-lhe hoje mesmo. Eram cinco horas
da tarde. Tinha-se lembrado de ir a um agiota, mas voltou sem ousar pedir nada.
Ao enfiar pela Rua da Assembleia é que viu a carteira no chão, apanhou-a, meteu
no bolso, e foi andando.
Durante
os primeiros minutos, Honório não pensou nada; foi andando, andando, andando,
até o Largo da Carioca. No Largo parou alguns instantes, - enfiou depois pela
Rua da Carioca, mas voltou logo, e entrou na Rua Uruguaiana. Sem saber como,
achou-se daí a pouco no Largo de S. Francisco de Paula; e ainda, sem saber
como, entrou em um Café. Pediu alguma cousa e encostou-se à parede, olhando para
fora. Tinha medo de abrir a carteira; podia não achar nada, apenas papéis e sem
valor para ele. Ao mesmo tempo, e esta era a causa principal das reflexões, a
consciência perguntava-lhe se podia utilizar-se do dinheiro que achasse. Não
lhe perguntava com o ar de quem não sabe, mas antes com uma expressão irônica e
de censura. Podia lançar mão do dinheiro, e ir pagar com ele a dívida? Eis o
ponto. A consciência acabou por lhe dizer que não podia, que devia levar a
carteira à polícia, ou anunciá-la; mas tão depressa acabava de lhe dizer isto,
vinham os apuros da ocasião, e puxavam por ele, e convidavam-no a ir pagar a
cocheira. Chegavam mesmo a dizer-lhe que, se fosse ele que a tivesse perdido,
ninguém iria entregar-lhe; insinuação que lhe deu ânimo.
Tudo
isso antes de abrir a carteira. Tirou-a do bolso, finalmente, mas com medo,
quase às escondidas; abriu-a, e ficou trêmulo. Tinha dinheiro, muito dinheiro;
não contou, mas viu duas notas de duzentos mil-réis, algumas de cinquenta e
vinte; calculou uns setecentos mil-réis ou mais; quando menos, seiscentos. Era
a dívida paga; eram menos algumas despesas urgentes. Honório teve tentações de
fechar os olhos, correr à cocheira, pagar, e, depois de pagar a dívida, adeus;
reconciliar-se-ia consigo. Fechou a carteira, e com medo de a perder, tornou a
guardá-la.
Mas
daí a pouco tirou-a outra vez, e abriu-a, com vontade de contar o dinheiro.
Contar para quê? era dele? Afinal venceu-se e contou: eram setecentos e trinta
mil-réis. Honório teve um calafrio. Ninguém viu, ninguém soube; podia ser um
lance da fortuna, a sua boa sorte, um anjo... Honório teve pena de não crer nos
anjos... Mas por que não havia de crer neles? E voltava ao dinheiro, olhava,
passava-o pelas mãos; depois, resolvia o contrário, não usar do achado,
restituí-lo. Restituí-lo a quem? Tratou de ver se havia na carteira algum
sinal.
"Se
houver um nome, uma indicação qualquer, não posso utilizar-me do
dinheiro," pensou ele.
Esquadrinhou
os bolsos da carteira. Achou cartas, que não abriu, bilhetinhos dobrados, que
não leu, e por fim um cartão de visita; leu o nome; era do Gustavo. Mas então,
a carteira? ... Examinou-a por fora, e pareceu-lhe efetivamente do amigo.
Voltou ao interior; achou mais dois cartões, mais três, mais cinco. Não havia
duvidar; era dele.
A
descoberta entristeceu-o. Não podia ficar com o dinheiro, sem praticar um ato
ilícito, e, naquele caso, doloroso ao seu coração porque era em dano de um
amigo. Todo o castelo levantado esboroou-se como se fosse de cartas. Bebeu a
última gota de café, sem reparar que estava frio. Saiu, e só então reparou que
era quase noite. Caminhou para casa. Parece que a necessidade ainda lhe deu uns
dois empurrões, mas ele resistiu.
"Paciência,
disse ele consigo; verei amanhã o que posso fazer."
Chegando
a casa, já ali achou o Gustavo, um pouco preocupado, e a própria D. Amélia o
parecia também. Entrou rindo, e perguntou ao amigo se lhe faltava alguma cousa.
-
Nada.
-
Nada?
-
Por quê?
-
Mete a mão no bolso; não te falta nada?
-
Falta-me a carteira, disse o Gustavo sem meter a mão no bolso. Sabes se alguém
a achou?
-
Achei-a eu, disse Honório entregando-lhe.
Gustavo
pegou dela precipitadamente, e olhou desconfiado para o amigo. Esse olhar foi
para Honório como um golpe de estilete; depois de tanta luta com a necessidade,
era um triste prêmio. Sorriu amargamente; e, como o outro lhe perguntasse onde
a achara, deu-lhe as explicações precisas.
-
Mas conheceste-a?
-
Não; achei os teus bilhetes de visita.
Honório
deu duas voltas, e foi mudar de toilette para o jantar. Então Gustavo sacou
novamente a carteira, abriu-a, foi a um dos bolsos, tirou um dos bilhetinhos,
que o outro não quis abrir nem ler, e estendeu-o a D. Amélia, que, ansiosa e
trêmula, rasgou-o em trinta mil pedaços: era um bilhetinho de amor.
Machado
de Assis.
Entendendo o texto:
01 – Identifique o autor do
conto e, em seguida, as características do narrador.
02 – Observe que, o narrador de
"A carteira" apresenta várias características das personagens,
em especial de Honório. Primeiro, liste as personagens deste conto. Em seguida,
diga o que ficamos sabendo a respeito de Honório.
03 – Qual é o incidente que move
o enredo do conto? Por quê?
04 – O motivo "carteira achada
na rua" aparece em muitas narrativas. Como justificar o interesse
narrativo deste motivo?
05 – Qual é o sentido da seguinte afirmação
do narrador no quarto parágrafo?
"(...)
mas todas as quantias são grandes ou pequenas, segundo as circunstâncias
(...)."
06 – O narrador nos diz que Gustavo,
ao pegar a carteira, "olhou desconfiado para o amigo". E que
este olhar "foi para Honório como um golpe de estilete; (...) era um
triste prêmio". Com o desfecho do conto, percebemos que Honório estava
interpretando a desconfiança de modo muito equivocado. Por quê?
07 – Em que espaços se
dão os eventos do conto? (Note que o espaço psicológico é ingrediente
importante neste conto. É nele que se dá o embate de Honório consigo mesmo para
saber o que faria com seu achado.)
08 – Quanto ao tempo,
observe que o conto começa num "hoje" ("...Honório tem de
pagar amanhã uma dívida..."), volta um pouco para o passado e retorna
para o presente (os eventos que vão do encontro da carteira até o desfecho).
Por que o narrador teve de voltar ao passado?
09 – A que se refere o narrador
quando diz: "Parece que a necessidade ainda lhe deu uns dois
empurrões, mas ele resistiu"?
Obs.:Ler com atenção e realizar com
paixão.
Bons estudos
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